24/10/2018
Por Luciana Gazzoni, coach, consultora, interculturalista e especialista em gestão de pessoas e liderança
“Final de ano chegando e o ciclo de avaliações de desempenho começa a aquecer. É hora de dar e receber feedbacks. A avaliação acontece entre gestor e funcionário e, em algumas empresas, também entre colegas. É claro que esse não precisa ser o único momento do ano para o retorno sobre comportamento, metas e desempenho. Mas alguns comportamentos podem facilitar ou dificultar a comunicação. Neste artigo, compartilho uma teoria da análise transacional que me auxilia muito em momentos de diálogo, principalmente nos mais difíceis”.
Para começo de conversa, o que é essa tal análise transacional? De forma simplificada, é uma teoria da personalidade humana desenvolvida pelo psiquiatra canadense Eric Berne. Neste artigo, o conceito que quero explorar é o da Posição Existencial.
Segundo Berne, aprendemos uma percepção sobre nós mesmos e sobre os outros em nossa primeira infância. Ao longo da vida, vamos confirmando essa percepção. Fortalecemos tanto nossas impressões que, em determinado momento, elas se tornam nossa lente para enxergar o mundo.
Berne fez uma correlação com os sinais da matemática e propôs quatro posições existenciais, que englobam dois aspectos: EU/OUTRO e OK/NÃO OK. As quatro posições são:
1. Eu estou OK / Outro está OK (+/+)
É a única posição considerada saudável nas relações. A pessoa respeita a si mesma, e sente-se capaz de lidar com as situações da vida. Enxerga a si e aos outros com forças e vulnerabilidades. Sente-se capaz de lidar com a realidade tanto em seus aspectos positivos quanto nas limitações. Estabelece diálogos em busca de soluções ganha- ganha.
Pessoas que vivem predominantemente no +/+ tendem a estabelecer metas de vida alcançáveis e geralmente as alcançam sem prejudicar a si mesmas ou aos outros.
2. Eu estou OK / Outro não está OK (+/-)
Pessoas nesta posição tendem a sentirem-se superiores de alguma forma. Muitas vezes enxergam erros e limitações dos outros e ficam impacientes. Podem se expressar valorizando suas próprias competências, valores e “verdades”. Podem, ainda, demonstrar agressividade descaradamente ou utilizando tons baixos e sarcásticos. Essas pessoas visualizam seus pontos fortes, mas tendem a não enxergar suas limitações ou defeitos, que ficam projetados no outro.
Pessoas com predominância na posição +/- estabelecem metas que são alcançadas, muitas vezes, com excessivo domínio e criticidade. O preço pago para isso é alto, tanto pelas outras pessoas quanto pelas organizações. Lembram da Miranda no filme Diabo Veste Prada?
Tem gente que ainda acredita que fazer o outro sentir-se mal, pressionado e humilhado é a melhor forma de gerar resultados. Pode ser uma maneira rápida, mas não é sustentável a médio e longo prazo. As melhores empresas para se trabalhar já comprovaram: ambientes mais saudáveis são mais produtivos, lucrativos e perenes.
3. Eu não estou OK / Outro está OK (-/+)
Essas pessoas sentem-se menos competentes ou inadequadas em comparação aos outros. Eventualmente podem adotar uma postura passiva nas tomadas de decisões. Não sentem-se capazes de opinar. Deixam de comunicar suas necessidades e pedidos para os outros pois, de alguma forma, têm medo de sanções ou da inadequação que sentem. Engolem “com farinha” desgostos, sapos, pontos de vista, sem se expressar de forma assertiva. Deixam de enxergar suas qualificações, competências e aumentam a lente de suas vulnerabilidades.
Tendem a estabelecer metas e não alcançá-las, seja porque são fora das possibilidades reais ou por se sabotarem.
4. Eu não estou OK / Outro não está OK (-/-)
Essas pessoas vitimam-se e não enxergam, nem em si e nem nos outros, a possibilidade de lidar com desafios. Sentem-se reféns e encurraladas. Você pode ouvir delas “não tem jeito mesmo”, “não vale a pena”, “nada que aconteça ou que eu faça vai mudar isso mesmo”. Sentem-se inadequadas e incapazes.
E o que isso tudo tem a ver com feedback?
Bom, não ficamos na mesma posição existencial o dia todo. Temos uma posição na qual permanecemos a maior parte do tempo, mas podemos oscilar de acordo com relacionamentos e situações.
Por exemplo: pode ser que frente ao diretor da área você se sinta -/+, mas em relação ao seu chefe você se sinta +/+.
Algum colega pode estimular em você uma postura +/-. E assim sucessivamente.
Nosso treino deve ser em permanecermos no +/+ para podermos construir relacionamentos saudáveis e estimular as melhores versões – nossas e dos outros.
No feedback não é diferente. Frente a um diálogo de feedback gestor/funcionário ou na oportunidade de dar um feedback a um colega, o faça desta posição de okeidade (+/+).
Sim, você pode ver lacunas de competências no outro ou ter razão em suas críticas. Mas nada justifica fazê-lo se sentir menos do que você, ou convidá-lo a uma posição de superioridade. Ambos têm forças e vulnerabilidades.
Dar um feedback a partir do +/+ é compreender que para tudo há um contexto. E que você não tem a verdade absoluta sobre o outro, mas pode contribuir para que ele enxergue como te impacta.
É um prisma sobre o outro, valioso, que pode ajudá-lo a se desenvolver. Mas é apenas uma perspectiva. Você pode desenvolver essas habilidades todos os dias nas interações e relacionamentos interpessoais. Pense nisso.