Novidades

O SER HUMANO: Biológico e o Cultural

O SER HUMANO: Biológico e o Cultural

04/11/2008

Por Luciana Gazzoni 2008

A história do ser humano implica em dois nascimentos: o biológico e o cultural.
O nascimento biológico é o período em que as funções biológicas estão sob o comando único da natureza. Há, portanto um momento zero cultural. Com as descobertas do genoma humano, percebeu-se que o número de genes encontrados nele era muito inferior ao esperado e que, portanto não explica, por si só, a grande distância entre os homens, as plantas e os animais. Cada vez mais é reconhecido que o meio ambiente exerce um importante papel sobre o funcionamento do genoma de seres vivos. Há estudos que afirmam que as características de cada espécie teriam a ver com a sua história ecológica e tenderiam a conservar essa história na forma de memória genética.
O nascimento cultural pressupõe pelo menos de duas coisas: o equipamento biogenético e neurológico da espécie. Com isso a criança ao nascer confere “aptidão para a cultura”. O que determinará seu desenvolvimento cultural é a convivência no meio humano. O nascimento cultural é a porta de acesso dela ao universo das significações humanas. O caminho que leva a criança ao mundo, e vice versa, passa por um mediador:

Criança  outro (mediador)  universo cultural

Neste período, a sensorialidade e a motricidade, ao longo do primeiro ano de vida da criança, constituem a base das primeiras formas de comunicação desta com o seu meio social. A sensorialidade permite à criança captar os sinais procedentes desse meio e a motricidade permite-lhe expressar corporalmente seus estados internos (necessidades, emoções, etc). Desta forma. Permitem à criança satisfazer a necessidade básica de contato com seus semelhantes.
Nos primeiros 18 meses, por falta de função simbólica, o bebê não apresenta ainda nem pensamento, nem afetividade ligada a representações que lhe permitam evocar as pessoas ou os objetos em sua ausência. A função motora (motricidade) é objeto de uma metamorfose que faz com que a criança passe da condição de um ser biológico para a de um ser simbólico. Nesse processo de metamorfose da motricidade, a imitação é uma espécie de paradigma da passagem da criança do plano natural (o ato motor) ao plano simbólico (pensamento). O nascimento cultural nada mais é do que o processo pelo qual o grupo social trata de introduzir no circuito comunicativo e sensório-motor da criança, a significação do circuito comunicativo do adulto. Dessa forma, a articulação das funções sensoriais e motora constitui os primeiros contatos com o mundo estranho da cultura. A criança, portanto, só poderá tornar-se um ser cultural, por intermédio da mediação do outro.


Como funciona a Construção Social da Realidade?

Segundo Berger (1973), a realidade é o fenômeno que reconhecemos por um ser independente de nossa própria volição. Ela é construída socialmente. A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente. O mundo da vida cotidiana se origina no pensamento e na ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por eles.
Os objetos diferentes apresentam-se à consciência como constituintes de diferentes esferas de realidade. Reconheço meus semelhantes com os quais tenho de tratar no curso da vida diária como pertencendo a uma realidade inteiramente diferente da que têm as figuras que aparecem em meus sonhos. Os dois conjuntos de objetos introduzem tensões inteiramente diferentes em minha consciência e minha atenção com referência a eles é de natureza completamente diversa. Minha consciência é capaz de mover-se através de diferentes realidades. Quando passo de uma realidade a outra, experimento a transição como uma espécie de choque. Este choque deve ser entendido como causado pelo deslocamento da atenção acarretado pela transição. A mais simples ilustração deste deslocamento é o ato de acordar de um sonho.
Entre múltiplas realidades há uma que se apresenta como sendo a realidade por excelência. É a realidade da vida cotidiana, imposta de forma mais maciça e intensa. A realidade da vida cotidiana é considerada pelo indivíduo como normal e evidente, constituindo a atitude natural.
A realidade da vida cotidiana está organizada em torno do “aqui” do meu corpo e do “agora” do meu presente. A realidade da vida cotidiana é partilhada com outros. Quando estou face a face com outro, há um intercâmbio contínuo entre minha expressividade e a dele.  Há estímulos verbais e corporais que respondem mutuamente. Isto significa que na situação face a face, a subjetividade do outro é acessível mediante o  máximo de sintomas. O indivíduo obriga-se a adaptar e/ ou abandonar seus padrões quando está face a face com o outro.
A linguagem marca as coordenadas da minha vida na sociedade e enche esta vida de objetos dotados de significação. Na situação face a face, a linguagem possui uma qualidade inerente de reciprocidade que a distingue de qualquer outro sistema de sinais. Sendo um sistema de sinais, a linguagem tem a qualidade da objetividade. A linguagem força-me a entrar nos padrões da língua que está sendo falada. A linguagem estabelece pontes entre diferentes zonas dentro da realidade da vida cotidiana e as integra em uma totalidade dotada de sentido.
A religião, a filosofia, a arte e a ciência são os sistemas de símbolos historicamente mais importantes. Estes temas podem ter grande importância para a realidade cotidiana, mesmo que inconsciente.
Desta maneira, o simbolismo e a linguagem simbólica tornam-se componentes essenciais da realidade da vida cotidiana e da apreensão pelo senso comum desta realidade. Vivo em um mundo de sinais e símbolos todos os dias.
Minha interação com os outros na vida cotidiana é, por conseguinte, constantemente afetada por nossa participação comum no acervo social disponível do conhecimento. O acervo social do conhecimento inclui o conhecimento de minha situação e de seus limites. Entretanto, isto não é possível para quem não participa deste conhecimento, como por exemplo, um estrangeiro, que possui critérios distintos de conhecimento sobre situação e limites.
O processo de tornar-se homem efetua-se na correlação com o ambiente. O ser humano em desenvolvimento não somente se correlaciona com um ambiente natural particular, mas também com uma ordem cultural e social específica. Não apenas a sobrevivência da criança humana depende de certos dispositivos sociais, mas a direção de seu desenvolvimento orgânico é socialmente determinada. Os homens em conjunto produzem um ambiente humano, com a totalidade de suas formações sócio-culturais e psicológicas. Assim como é impossível que o homem se desenvolva como homem no isolamento, igualmente é impossível que o homem isolado produza um ambiente humano.
Toda atividade humana está sujeita ao hábito. Qualquer ação freqüentemente repetida torna-se moldada em um padrão, que pode em seguida ser reproduzido com economia de esforço e que é apreendido pelo executante como tal padrão. Até um homem solitário em uma ilha deserta estabelece uma rotina e tem no mínimo a companhia de seus procedimentos operatórios.
Somente uma pequena parte das experiências humanas são retidas na consciência. As experiências que ficam retidas são sedimentadas. A objetivação da experiência (isto é, sua transformação em um objeto de conhecimento por todos aproveitável) permite então incorporá-la a um conjunto mais amplo de tradições por via da instrução moral. A transmissão dos significados é feita, através de um processo educacional.  Os significados institucionais tendem a ser simplificados no processo de transmissão, de modo que uma determinada coleção de “fórmulas” institucionais possa ser facilmente aprendida e guardada na memória pelas gerações sucessivas. EX: durante a guerra há faltas de alimentos. Gerações posteriores continuam tendo hábitos para evitar desperdícios.
Toda a transmissão exige alguma espécie de aparelho social. Haverá também procedimentos para a passagem da tradição dos conhecedores aos não conhecedores, referindo-se ao que é socialmente considerado como realidade. Dependendo do alcance social da conveniência de certo tipo de “conhecimento” e de sua complexidade e importância em uma particular coletividade, o “conhecimento” pode ter de ser reafirmado mediante objetos simbólicos (tais como fetiches e emblemas militares) e ações simbólicas (tais como o ritual religioso ou militar). Portanto, a origem dos universos simbólicos vem da necessidade de produzir significados que servem para integrar outros significados.
A legitimação é o processo de explicação e justificação da tradição institucional, que surge da necessidade de transmiti-la para as próximas gerações. Através do processo de legitimação, explica-se a ordem institucional outorgando validade cognoscitiva a seus significados objetivados. Implica, por conseqüência em valores e conhecimento. A esfera simbólica se relaciona com o nível mais amplo de legitimação.
É preciso haver conhecimento dos papéis que definem tanto as ações ‘certas’ quanto as ‘erradas’, no interior da estrutura. Por exemplo: os indivíduos não devem casar-se no interior do seu clã. Mas é preciso que primeiro ele saiba que é um membro deste clã. Este “conhecimento” chega até ele através de uma tradição que explica o que os clãs são em geral e o que é o seu clã em particular. Estas explicações (tipicamente constituídas de uma história da coletividade em questão) são tanto instrumentos legitimadores quanto elementos éticos da tradição. A legitimação não apenas diz ao indivíduo por que deve realizar uma ação e não a outra; diz-lhe também por que as coisas são o que são. Em outras palavras o conhecimento precede os valores na legitimação das instituições.
A sociedade histórica inteira e toda a biografia do indivíduo são vistas como acontecimentos que se passam dentro de um determinado universo e há mecanismos conceituais de conservação deste universo: terapêutica e aniquilação
Terapêutica: assegura que os discordantes atuais ou potenciais se conservem dentro das definições institucionalizadas da realidade, em outras palavras, impedir que os “habitantes” de um dado universo “emigrem”. É o controle social.
A aniquilação usa um mecanismo semelhante para liquidar conceitualmente tudo que está situado fora deste mesmo universo. A aniquilação nega a realidade de qualquer fenômeno ou interpretação de fenômenos que não se ajustam nesse universo. Em segundo lugar, a aniquilação implica a tentativa mais ambiciona de explicar todas as definições dissidentes da realidade em termos de conceitos pertencentes ao nosso próprio universo.

Se existe a tendência a deixar tudo continuar como antes, esta tendência é evidentemente fortalecida se houver excelentes razões para assim proceder. Isto significa que uma instituição pode perdurar mesmo quando, aos olhos dos observadores, perderam a funcionalidade ou praticabilidade. As pessoas fazem certas coisas não porque dão resultado, mas porque estão certas de acordo com suas realidades.
Na dialética entre a natureza e o mundo socialmente construído, o organismo humano se transforma e produz a realidade e com isso se produz a sim mesmo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, P.L.; LUCKMAN, T., A Construção Social da Realidade. Petrópolis, Ed. Vozes, 1973.
PINO, A. As Marcas do Humano: às origens cultural da criança na perspective de Lev S Vigotski. São Paulo, Ed Cortez, 2005

Newsletter

Quer receber novidades, artigos e cursos da Light Up? Então cadastre o seu email aqui!