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Choque Cultural

Choque Cultural

03/11/2008

Por Luciana Gazzoni, 2008

Após compreensão dos fatores constituintes da formação da cultura dos indivíduos assim como da criação do sistema cultural, é preciso retornar à problemática inicial que é o estudo dos conflitos de indivíduos inseridos numa  cultura diferente da sua e as ações comportamentais resultantes dela.
O conceito de choque cultural foi descrito pela primeira vez em 1954 por Kalervo Oberg (1901-1973), antropólogo e economista reconhecido mundialmente. Nascido no Canadá viajou o mundo e escreveu inúmeros artigos sobre diferenças culturais e suas experiências ao redor do mundo.  Oberg foi professor em universidades dos Estados Unidos especialmente em Missouri e Montana.
Kalervo Oberg (1954) descreveu o choque cultural como a conseqüência do esforço e da ansiedade resultante do contato com uma nova cultura além do sentimento de perda, confusão e impotência resultante da perda das informações culturais e regras sociais previamente acostumadas. Não importa quão “cabeça aberta” ou o tamanho da boa vontade do indivíduo, quando este é colocado em choque cultural, um turbilhão de frustrações e ansiedades serão reflexos deste processo. O primeiro impulso é a rejeição daquilo que causa desconforto. Essa dificuldade de assimilação dos novos padrões faz com que o indivíduo não saiba discernir que é apropriado e o que não é. É normalmente aliado a uma sensação de descontentamento ou “nojo” moral ou estético.
Os estágios clássicos que esta pessoa poderá enfrentar e as estratégias para lidar com essa situação serão descritas abaixo.

Os Estágios do Choque Cultural

O processo do choque cultural pode ser sumarizado em quatro estágios sequenciais e cíclicos. O indivíduo pode passar diversas vezes pelas mesmas fases em épocas distintas de sua experiência intercultural ou pode não passar por algumas destas fases
Fase da lua-de-mel ou turista
Fase da crise ou choque cultural
Fase do ajuste, reorientação e recuperação
Fase da adaptação, resolução e aculturação
A fase da lua-de-mel é um período onde as diferenças entre a cultura original e a nova são vistas de um modo romântico, novo, eufórico e até mesmo idealizado. As diferenças são excitantes e interessantes. É a experiência típica de quem está em férias ou numa breve viagem de negócios. As manifestações de ansiedade e stress tendem a ser interpretados positivamente. Esta fase pode durar alguns dias ou algumas semanas, dependendo das circunstâncias.
A fase da crise pode começar imediatamente (no momento que existe o contato com a nova cultura) ou, mais normalmente, surge dentro de algumas semanas ou meses. Ela pode começar como uma grande crise ou em uma série de problemas que vão se acumulando. As coisas começam a dar errado, pequenas dificuldades viram problemas gigantescos e as diferenças culturais se tornam irritantes. Há problemas com a escola, com a língua, com o transporte. É comum o sentimento crescente de desapontamento, impaciência e frustração. O indivíduo pode sentir que as pessoas daquela nova realidade são indiferentes às suas dificuldades e passa a não gostar das pessoas daquele ambiente. A vida não faz mais sentido e é comum o sentimento de desilusão, confusão e rejeição pelos outros e isso pode levar a depressão, isolamento, raiva ou hostilidade.
Neste período o país de origem torna-se tremendamente importante e glorificado. Todas as dificuldades e problemas são esquecidos e a pessoa passa a lembrar-se apenas das boas coisas. Alguns sintomas práticos do choque cultural: lavar a mão excessivamente, extrema preocupação em beber a água do local, medo do contato físico com as pessoas, olhar distante, recusa em aprender o idioma, medo exagerado de ser enganado ou roubado, terrível espera em voltar para casa e conversar com pessoas que fazem “sentido” na realidade de origem.
Inicia-se um processo de críticas severas sobre aquela sociedade e as pessoas. Estereótipos são criados ou reforçados. O indivíduo busca elementos no ambiente que reforcem aquele estereótipo. Se persistir neste processo não poderá compreender de forma holística o ambiente que está inserido, poderá adoecer e antes que sofra de uma estafa emocional irá retornar à sua terra natal.
A fase da recuperação é o aprendizado de como se ajustar efetivamente ao novo ambiente cultural. A resolução do choque cultural reside em aprender como realizar uma adaptação aceitável à nova cultura. Para uma solução efetiva é necessário que haja ajustamento e adaptação: desenvolver habilidades em resolver problemas para lidar com a cultura e começar a aceitar sua forma com uma atitude positiva. A cultura começa então a fazer sentido e as reações negativas passam a ser reduzidas conforme o indivíduo reconhece sua inabilidade de entender, aceitar e se adaptar. O ajuste é lento e requer vários ciclos de crise e adaptação. Nesta  fase, é possível identificar três formas diferentes de ajuste dos indivíduos, conforme descrito abaixo:
Alguns ajustes podem ser encontrados sem que haja adaptação. É o exemplo daqueles que, em momentos de crise, voltam para seus países originais ou daqueles que se isolam em grupos étnicos e mantém o estilo de vida com que estão acostumados (corresponde a 60% dos expatriados). Normalmente este grupo de pessoas é o que possui maior dificuldade quando retorna à sua terra natal passando também por um choque cultural reverso.
Algumas pessoas, porém integram-se totalmente à nova cultura, perdendo sua identidade original. Correspondem a aproximadamente 10% dos expatriados. Normalmente este grupo de pessoas não retorna de forma definitiva para o país de origem e faz do novo ambiente o seu novo lar.
Há também um terceiro grupo de pessoas que gerencia e adapta-se à nova cultura de forma positiva. Mantém elementos de sua cultura original, mas também absorve características da nova cultura. Este grupo de pessoas não encontra problemas em retornar para casa ou ser realocado em algum outro país. Corresponde a aproximadamente 30% dos expatriados.
A fase da aculturação é alcançada quando consegue-se desenvolver uma adaptação estável em resolver com sucesso problemas e gerenciar a nova cultura (comum entre o 6º - 12º mês). O indivíduo já sabe o que esperar nas diversas situações do dia-a-dia e passa a estabelecer uma rotina. A total assimilação de uma cultura é difícil senão até impossível, porém, conforme o processo de aculturação avança, é comum que mudanças substanciais aconteçam com o indivíduo conforme ele desenvolve uma identidade bi-cultural. A aculturação não significa abandonar seus modos antigos ou perder sua identidade cultural anterior, mas sim a ciência pessoal e construtiva para ter respostas culturais e pessoais que se encaixem no novo ambiente


As Razões do Choque Cultural

Existem quatro motivos que levam ao choque cultural. São eles:
Stress
Fadiga cognitiva
Choque de papéis
Choque pessoal
O stress acontece pela própria exposição ao novo ambiente e pelos seus subsequentes impactos psicológicos. Em choques culturais são comuns preocupações exageradas com doenças, sentimentos de estar fisicamente debilitado, preocupações com sintomas, pequenas dores e desconfortos. Tudo isso pode ser capitalizado por fatores psicossomáticos e por reduções da eficiência do sistema imunológico devido ao próprio stress.
A fadiga cognitiva é consequência de uma sobrecarga de informações. A nova cultura requer um esforço consciente para entender as coisas que normalmente são processadas inconscientemente em sua própria cultura. Esforços são feitos para interpretar os significados de uma nova língua, mas também dentro de contextos não-verbais, comportamentais, contextuais e sociais das comunicações. Essa mudança de uma interpretação inconsciente dentro da sua própria cultura para um cenário onde o esforço e a atenção constante são necessários para processar tudo que acontece ao seu redor é fatigante e pode resultar em fadiga mental e emocional.
O choque de papéis acontece quando o papel do indivíduo é perdido na nova cultura. As mudanças dos papéis sociais e das relações interpessoais afetam o bem-estar e o sentido de autoconhecimento do indivíduo. No novo ambiente cultural os antigos papéis são eliminados e substituídos por papéis desconhecidos e por conjuntos de expectativas. Isto leva ao choque resultante da ambiguidade da posição social do indivíduo, da perda de relações sociais e seus papéis considerados normais e do surgimento de novos papéis que são inconsistentes com o antigo auto-conceito do indivíduo.
O choque pessoal afeta a auto-estima, auto-identidade, sentimentos de bem-estar e a satisfação com a vida os quais são todos criados e mantidos dentro do sistema cultural. A perda deste sistema de suporte pode levar a manifestações patológicas assemelhadas à psicoses e paranóias que são classificados como “neuroses transientes” ou desordens emocionais temporárias. O choque pessoal é mais fortemente impactante quando a nova cultura viola os sentidos pessoais e culturais do indivíduo no que diz respeito a valores morais, lógicos ou de crenças a respeito da normalidade e civilidade. Conflitos de valores contribuem para um senso de desorientação e irrealidade, aumentando o sentimento de inadaptabilidade do indivíduo com o seu meio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

OBERG, K. Cultural Shock. 1954
Disponível em: 20/04/2009 https://www.smcm.edu/academics/internationaled/Pdf/cultureshockarticle.pdf

WHITE, D. Choque Cultural Reverso.
Disponível em: 20/04/2009 http://74.125.47.132/search?q=cache:Ptz9Cus48A4J:www.ryep4760brasil.com.br/temas/Choque%2520cultural%2520reverso.doc+choque+cultural&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=17&gl=br

WIKIPEDIA, The Free Encyclopedia. Significado de Choque Cultural.
Disponível em: 20/04/2009
http://en.wikipedia.org/wiki/Culture_shock

WINKELMAN, M. Cultural Shock and Adaptation.
Disponível em: 20/04/2009 http://www.asu.edu/clas/shesc/projects/bajaethnography/shock.htm

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